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Deputados preocupados em salvar a própria pele

A Câmara Legislativa arquivou na última quarta-feira o processo de cassação contra a deputada Liliane Roriz (PTB), com o argumento de que é preciso aguardar o desfecho de todas as ações judiciais contra a parlamentar


A justificativa não tem nenhum embasamento legal e esconde a preocupação dos distritais em salvar a própria pele no futuro. Levantamento realizado pelo Correio em processos em tramitação no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios, na Justiça Federal no DF, no Tribunal Regional Federal e no Superior Tribunal de Justiça revelam que mais da metade da Câmara Legislativa tem alguma pendência. No total, 13 dos 24 integrantes da Casa são alvo de inquéritos, ações de improbidade administrativa ou processos criminais. Alguns foram condenados em primeira e segunda instâncias, mas recorrem para tentar escapar da degola.

O Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa estabelece uma série de atos que podem ensejar um processo de cassação. O texto dá margens para a subjetividade, mas não condiciona o andamento das medidas disciplinares a nenhum ato do Poder Judiciário. O texto cita exemplos de procedimentos incompatíveis com a ética e o decoro, como abuso de prerrogativas, envolvimento com o crime ou uso de recursos da Câmara em benefício pessoal. Até mesmo referências caluniosas a outro deputado em pronunciamentos podem dar brecha à abertura de processo de cassação.

Na última quarta-feira, três integrantes do Conselho de Ética defenderam o arquivamento do processo contra Liliane Roriz, com o argumento de que é preciso aguardar o trânsito em julgado dos processos judiciais. Seguiram esse entendimento os distritais Raimundo Ribeiro (PPS), Wellington Luiz (PMDB) e Telma Rufino (sem partido). Só Ricardo Vale (PT) defendeu que o caso prosseguisse. A justificativa dos que salvaram o mandato de Liliane, entretanto, não tem amparo legal. Um exemplo recente da independência entre os poderes em situações de quebra de decoro é o caso do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB). O parlamentar virou réu em duas ações e é investigado em outros seis inquéritos relacionados à Operação Lava-Jato, mas não tem nenhuma condenação associada ao caso. Mesmo assim, perdeu o cargo.

O professor de direito da Universidade de Brasília (UnB) Flávio Britto, especialista em direito eleitoral, diz que o Legislativo e o Judiciário “são instâncias autônomas, independentes e harmônicas entre si”. A frase é usada para mostrar que uma decisão da Justiça não depende de posicionamento do Legislativo e vice-versa. “Pode haver uma sentença condenatória sem que na sequência haja uma cassação política. Assim como pode haver a cassação de um mandato, sem nenhuma condenação judicial prévia”, comentou.

Ele se lembra do caso do ex-presidente Fernando Collor, que sofreu impeachment e, depois, foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Essa justificativa de que é preciso aguardar o trânsito em julgado de processos judiciais é um factoide criado com o intuito de salvar mandatos. Seria mais digno julgar e, se fosse o caso, defender a absolvição, em vez de arquivar”, comentou o especialista.

A presidente do Instituto de Fiscalização e Controle, Jovita Rosa, autora de alguns dos pedidos de cassação apresentados à Câmara, diz que o entendimento adotado pelos distritais no caso de Liliane Roriz revela uma estratégia de sobrevivência, pois é grande o número de colegas que respondem a ações. “A regra entre os deputados é a de que ‘você me protege hoje, e eu te salvo amanhã’. Está claro que é uma troca de favores, o que é lamentável e representa o descompromisso desses parlamentares com a sociedade”, reclama.


As pendências de cada parlamentar

Agaciel Maia (PR)

Ações no Tribunal de Justiça do DF:
Alvo de ação de improbidade que tramita na 1ª Vara da Fazenda Pública, pela aprovação da renúncia fiscal de cerca de R$ 480 milhões na Câmara Legislativa, sem cumprimento de requisitos legais. O Judiciário ainda não decidiu se aceita ou não a petição inicial.
Réu em uma ação penal no Conselho Especial do TJ por crime ambiental. De acordo com a denúncia do MP, o deputado distrital teria efetuado construções em áreas de proteção permanente em sua propriedade no Lago Sul, às margens do Lago Paranoá.
Alvo de um inquérito no Conselho Especial do TJ, com origem na Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública.

Ações na Justiça Federal e no TRF:
Condenado em 2014 na 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do DF, por improbidade administrativa, pela prática de atos dolosos, com suspensão de direitos políticos por oito anos. De acordo com o MPF, entre 1995 e 2009, Agaciel, então diretor-geral do Senado, editou atos secretos na Casa, “com o intuito de permitir o uso da máquina pública para favorecer os seus interesses pessoais”. Houve apelação ao TRF e o processo está concluso para relatório e voto do relator desde junho de 2015.
Alvo de ação de improbidade ajuizada em 2015, que tramita na 9ª Vara Federal. Segundo o MP, Agaciel autorizou o pagamento de R$ 6,2 milhões em horas extras a cerca de 4 mil servidores de forma ilegal, quando era diretor-geral do Senado Federal. Autos conclusos para decisão desde abril de 2016.
Alvo de ação de improbidade ajuizada em 2014, que tramita na 6ª Vara Federal. Ele foi denunciado junto com Efraim Morais, Alexandre Gazineo, Vallerio Cabral, Magno Fonseca e Walter Cândido. O processo também tem relação com o escândalo dos atos secretos.
Em ação civil pública julgada em 2014, a Justiça Federal deteminou a demissão de Agaciel Maia e de João Carlos Zoghbi de seus cargos no Senado. Houve recurso ao TRF e o processo está concluso para relatório e voto no gabinete do relator, desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, desde dezembro de 2015.


Bispo Renato Andrade (PR)

Investigado em um inquérito sigiloso, que tramita no Conselho Especial do TJ, com relação às denúncias de cobrança de propina para a liberação de emendas parlamentares (Operação Drácon).


Celina Leão (PPS)

Investigada em um inquérito sigiloso, que tramita no Conselho Especial do TJ, com relação às denúncias de cobrança de propina para a liberação de emendas parlamentares (Operação Drácon).


Cristiano Araújo (PSD)

Responde a ação de improbidade administrativa pela acusação de nepotismo, já que empregou a tia no próprio gabinete, com salário de R$ 14.136,21.
É alvo de um inquérito que tramita no Conselho Especial do TJDFT, para investigar fraude em licitações em um suposto esquema de concessão irregular de bolsas da Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP-DF). A denúncia foi apresentada há quase três anos, mas a Justiça ainda não decidiu se o distrital vai virar réu.
Investigado em um inquérito sigiloso, que tramita no Conselho Especial do TJ, com relação às denúncias de cobrança de propina para a liberação de emendas parlamentares (Operação Drácon).


Juarezão (PSB)

Alvo de um inquérito que tramita no Conselho Especial do TJDFT, por crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético. A origem é a Vara Criminal de Brazlândia (Inquérito policial 171/2014).


Joe Valle (PDT)

Alvo de um inquérito que tramita no Conselho Especial do TJDFT, com base em uma denúncia sobre o uso de verba indenizatória para pagamento de advogados supostamente em proveito próprio. Não houve indiciamento ou denúncia em nenhum inquérito policial.


Liliane Roriz (PTB)

Na semana passada, livrou-se de uma ação civil de improbidade que tramitava na 5ª Turma Cível do DF. Por 3 votos a 2, os desembargadores reverteram uma condenação de primeira instância. Ela era acusada de receber apartamentos em Águas Claras em troca de benefícios que seu pai, o ex-governador Joaquim Roriz, teria dado a empresários que obtiveram empréstimos no BRB. O MP vai recorrer ao STJ.
Ré em uma ação penal no Conselho Especial do TJ, pela mesma acusação relativa ao recebimento de apartamentos em Águas Claras.
No ano passado, a Justiça condenou a deputada e um ex-assessor por improbidade administrativa. Ela foi acusada de irregularidades no contrato de locação de um veículo com dinheiro da verba indenizatória. A apelação em segunda instância foi parcialmente provida e, em segunda instância, a Justiça entendeu que não há possibilidade de aplicação da sanção de multa civil.


Israel Batista (PV)

Alvo de ação de improbidade que tramita na 1ª Vara da Fazenda Pública, pela aprovação da renúncia fiscal de cerca R$ 480 milhões na Câmara Legislativa, sem cumprimento de requisitos legais. O Judiciário ainda não decidiu se aceita ou não a petição inicial.


Júlio César (PRB)

Investigado em um inquérito sigiloso, que tramita no Conselho Especial do TJ, com relação às denúncias de cobrança de propina para a liberação de emendas parlamentares (Operação Drácon).


Raimundo Ribeiro (PPS)

Condenado em segunda instância em uma ação de improbidade administrativa. O MP alega que o distrital, quando secretário de Justiça, autorizou a realização de um evento orçado em quase R$ 280 mil, sem dotação orçamentária.
Alvo de ação de improbidade ajuizada em 2011 pelo MP contra ele e outros seis acusados: Antônio Luiz Barbosa, Gilmar dos Reis, Ramon Arroyane Giraldo, Gerardo Mondragon, Luís Henrnando Castillo Martinez e Manuel Antônio Parra Delgadillo.
Investigado em um inquérito sigiloso, que tramita no Conselho Especial do TJ, com relação às denúncias de cobrança de propina para a liberação de emendas parlamentares (Operação Drácon).


Robério Negreiros (PSDB)

Alvo de ação de improbidade administrativa que tramita na 14ª Vara Federal desde 2007. O processo é um desdobramento da Operação Sentinela, da Polícia Federal, que, em 2004, investigou denúncias de irregularidades em licitações no Tribunal de Contas da União. A empresa da família de Robério foi uma das investigadas.


Telma Rufino (sem partido)

Alvo de uma ação civil de improbidade administrativa que tramita na 15ª Vara Federal do Distrito Federal. A ação foi ajuizada em 2011 e o processo está concluso para sentença. À época, a parlamentar trabalhava na gerência de Arniqueiras, extensão de Águas Claras, e autorizou a realização de uma obra no local, o que era proibido pela União.


Wellington Luiz (PMDB)

Réu em uma ação penal, que tramita no Conselho Especial do TJ. O MP acusa o parlamentar de desviar dinheiro de uma emenda parlamentar. Ele teria usado R$ 105 mil para bancar despesas de uma viagem à Europa, que ele, a esposa e mais oito pessoas fizeram. A verba seria aplicada em um projeto de capacitação para atletas amadores no Varjão, mas o evento não foi realizado. O processo está em fase final de instrução na 1ª Vara Criminal de Brasília, mas será julgado pelo Conselho Especial.
Alvo de uma ação civil pública movida em agosto deste ano pelo Ministério Público do DF contra o distrital e mais 21 pessoas, além de sete empresas do ramo de construção. O MP questiona a destinação de recursos feita pelo ex-administrador do Varjão Hélio Chagas, que era uma indicação política do distrital.

Eles se dizem inocentes

Os deputados distritais que são alvos de inquéritos, ações de improbidade e processos criminais refutam as acusações. O levantamento do Correio foi feito com base em ações apresentadas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ou pelo Ministério Público Federal e não inclui denúncias por calúnia e difamação, nem casos relacionados à atuação privada dos parlamentares, como processos em varas de família ou de cobrança de dívidas pessoais.

O distrital Agaciel Maia afirma que o processo em decorrência da autorização de renúncia fiscal foi aprovado “em benefício da população”. Sobre a ação por crime ambiental, ele alega que apresentou um plano de recuperação de áreas degradadas e pagou a multa cobrada. Sobre os processos relacionados ao escândalo dos atos secretos do Senado, o parlamentar diz que as horas extras pagas em 2009 foram autorizadas pelos senadores e pelo primeiro-secretário da Casa. Ele diz que não autorizou o pagamento, nem recebeu “nenhum centavo”. 

A defesa de Liliane Roriz argumenta que não há nos autos nenhuma prova de que tenha sido beneficiada pelos apartamentos de Águas Claras nem de que tenha havido irregularidades na operação de crédito que permitiu o empréstimo do BRB a empreiteiros. Os cinco distritais envolvidos na Operação Drácon também negam qualquer irregularidade na aprovação da emenda que destinou R$ 30 milhões ao pagamento de dívidas de UTIs. Afirmam, ainda, acreditar na elucidação dos fatos pela Justiça. Israel Batista diz que, ao atuar na aprovação dos projetos prevendo renúncia fiscal, fez o melhor para o empresariado e para a população.

Joe Valle explica que o nome dele foi citado em uma denúncia anônima, encaminhada ao Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), sobre o suposto uso de verba indenizatória para pagamento de advogados. “O desembargador que recebeu essa denúncia caluniosa determinou, por cautela, a abertura de inquérito policial e remeteu o caso para a Decap (Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra a Administração Direta). A delegacia ouviu todos os citados e não encontrou nenhuma irregularidade ou veracidade nas afirmações. O caminho natural do inquérito é o arquivamento”, afirmou Joe, acrescentando que não foi indiciado ou denunciado em nenhum inquérito. Ele atribui o caso “ao jogo sujo da política”.

Recursos
Robério Negreiros declarou que as mesmas denúncias que motivaram a ação de improbidade foram analisadas pelo Tribunal de Contas da União este ano e, por 8 votos a 1, a Corte julgou não haver irregularidades no caso. O acórdão foi anexado ao processo no TRF, e o parlamentar espera uma decisão favorável em breve. Telma Rufino explica que, quando era gerente de Arniqueiras, autorizou a realização de uma obra para contenção de erosão por causa da urgência ambiental. Até então, era proibida por lei a realização de qualquer obra na região. A expectativa da defesa é pelo julgamento da improcedência da ação de improbidade.

A defesa de Wellington Luiz diz que o parlamentar está tranquilo quanto à ação penal, pois não é autor da referida emenda. Os advogados dizem ainda que, à época, ele ocupava cargo no primeiro escalão do governo, e a obrigação de fazer licitação era da administração regional, não da secretaria comandada por ele. Sobre a ação civil pública, a defesa diz que há questionamentos sobre a destinação de recursos para obras no Varjão, mas ele foi incluído somente pelo fato de ter indicado à época o administrador da cidade. A assessoria de Juarezão não retornou os pedidos de esclarecimento até o fechamento desta edição, e o gabinete de Cristiano Araújo informou que ele não comentaria os processos.

Empréstimo
Segundo a denúncia, dois sócios da WRJ Engenharia procuraram Joaquim Roriz, então governador, para que ele mandasse o BRB viabilizar dois empréstimos. O dinheiro serviu para construir um edifício, em Águas Claras, com 96 apartamentos. Em 2006, a construtora ainda conseguiu prorrogar o pagamento da dívida. Pelo “favor”, Roriz teria recebido 12 unidades por meio das três filhas, do neto e de uma empresa. Na última quarta-feira, o clã Roriz escapou de condenação no caso.

Memória
Manobra
Em 2014, os distritais tentaram aprovar de forma discreta dois projetos de resolução que praticamente inviabilizavam qualquer cassação. Um deles condicionava o andamento à existência de uma condenação transitada em julgado, ou seja, sem mais nenhuma brecha para recursos. A outra proposta impedia que cidadãos pudessem apresentar denúncias ao Conselho de Ética. A ideia era de que somente a Corregedoria, partidos ou parlamentares pudessem propor a abertura de processos. Diante da pressão da sociedade, a Câmara arquivou as iniciativas.


Fonte: Correio Braziliense.

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